Ferrovia São Paulo - Rio Grande

Ferrovia São Paulo - Rio Grande: a estrada de ferro que ligou Itararé/SP a Santa Maria/RS é o símbolo de um Brasil que poderia dar certo.

A estrada de ferro que ligou Itararé/SP a Santa Maria/RS é o símbolo de um Brasil que poderia dar certo.

Texto: Sarah Mauer – Foto: Allan Piske *

Para quem nasceu após a década de 1970 talvez seja difícil conceber a ideia de viajar em trens interestaduais no Brasil. Em meio a rodovias e automóveis, vê-se uma vez ou outra o transporte de cargas ou passeios turísticos sendo neles realizados. No Brasil, os carros só foram conquistar seu espaço na década de 1950, até então a história era outra.

Em 1887 surgia o projeto de uma ferrovia responsável por ligar a então província de São Paulo ao Rio Grande do Sul, com mais de 1000 km de extensão entre Itararé/SP e Santa Maria/RS. O governo imperial de Dom Pedro II queria ocupar esta região e tê-la em posse definitiva, já que a Argentina almejava parte do território e, em caso de eventual conflito, o deslocamento de tropas seria facilitado por uma ferrovia. Dois anos depois, dias antes da Proclamação da República, a construção foi autorizada, com o inconveniente de que até 1906 somente cerca de 30% do trajeto estava concluído.

Os 70% restantes ficaram por conta do estadunidense Percival Farquhar, o qual adquiriu em 1908 o controle da companhia da estrada de ferro São Paulo – Rio Grande por meio da Brazil Railway Company. Um dos maiores investidores do setor era o principal administrador de recursos estrangeiros no país, pois além do ramo ferroviário, o empresário atuava em portos, na exploração da borracha no norte e com energia no Rio de Janeiro. Era também madeireiro e colonizador, o que se relacionava diretamente com a aquisição da ferrovia. O Grupo Farquhar construiu ferrovias em outros países da América Latina e, com a chegada ao Brasil, vários estados receberam tal contribuição.

Empregando cerca de cinco mil trabalhadores, a obra foi concluída em 1909 e, apesar do impacto social, uma vez que com o desmatamento da região os caboclos perderam sua atividade produtiva - a erva mate - a ferrovia propiciou o crescimento econômico das décadas seguintes.

Com a ferrovia em operação, a companhia da estrada de ferro São Paulo – Rio Grande criou a Brazil Development in Colonization Company, a fim de promover o loteamento e colonização das áreas marginais aos trilhos. Este processo é interrompido pela eclosão da Primeira Guerra Mundial e pela Guerra do Contestado em Santa Catarina, a qual se configurava pela disputa territorial entre este estado e o Paraná. Quando o acordo entre ambos é firmado, começa efetivamente a colonização, que durou até 1940.

A ocupação de áreas até então desabitadas era importante para inibir a invasão por parte de países vizinhos. As famílias vinham com a promessa de terra boa e gostavam da região, atraindo cada vez mais descendentes de italianos e alemães.

Neste sentido, a passagem de trens foi vital para o crescimento da economia, visto que os produtos da região podiam ser escoados e conquistar mercado.

Farquhar, grande acionista da Bolsa de Nova Iorque, sofre com o Crash de 1929 uma derrocada em seus negócios, os quais serão assumidos no mundo todo pelos respectivos governos de cada país. Coincidindo com o desenvolvimento nacionalista de Vargas, a Brazil Railway Company é estatizada e surge uma rede ferroviária, em que os estados administram suas ferrovias. Quem assume a São Paulo – Rio Grande é a Rede Viação Paraná – Santa Catarina.

Este movimento de expansão das ferrovias vai até a década de 1950, quando se estabelece no Brasil a indústria automobilística e acelera-se a construção de rodovias, intensificando também o transporte de cargas por caminhões.

Em 1969, a Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima – RFFSA – assumiu o controle da São Paulo – Rio Grande, até que em 1996, após longo processo de sucateamento, a linha é privatizada para a empresa ALL que, no entanto, não interrompe tal decadência.

Hoje em dia é possível percorrer apenas um trecho de 25 km entre Piratuba/SC e Marcelino Ramos/RS, graças aos passeios históricos e culturais realizados pela Associação Brasileira de Preservação Ferroviária – ABPF. Mais informações sobre o passeio estão disponíveis no site: www.abpf.com.br

Em tempos que urgem por soluções mais limpas, sem abrir mão da eficácia, a reimplantação do transporte ferroviário deveria ser uma prioridade nacional. Seria um benéfico não só para o meio ambiente como também para a economia do país.

* Artigo publicado originalmente em março de 2014, na sétima edição da Revista MotorMachine.

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